Quando fui gentilmente convidada a redigir um texto para o site Olavete, esta ilustre fonte de saber, cujo nome – que me cai como uma luva – remete ao maior filósofo contemporâneo, confesso que fiquei receosa em aceitar. Não que as palavras sejam novidade para mim, mas elas geralmente me vêm acompanhadas de acordes, de arranjos e de melodias que me servem de guia. Isto porque, caro leitor, o maior mal dos artistas é a dispersão.
Até já me arrisquei no mundo fantástico da poesia porém sem entender patavinas de teoria poética o ritmo e a rima ficavam órfãos da métrica e reféns da mais pura e crua emoção. Entendo, todavia, que foi justamente essa minha entrega complacente às emoções somada à sempre bem-vinda intervenção divina que me propiciaram a honra de me dirigir a vocês neste veículo.
Estava eu completamente paralisada diante de uma enquete no Stories do site Olavete com a seguinte pergunta: “Você se incomoda com a arquitetura moderna?”. Confesso que fixei o dedo na tela para ter mais tempo de refletir e, após muito pensar, descobri que eu era incapaz de responder sim ou não a esta pergunta. A verdade é que em parte me incomoda, mas de modo geral não… ou melhor dizendo: no geral ela me incomoda, mas em grande parte não.
NOTA DA AUTORA: O leitor agora está pensando: bem que ela avisou que é do tipo dispersa e que divaga
Para mim o cerne da questão é de ordem política e socioconstrutivista por um lado e espiritual por outro. Quando o Mestre Olavo critica a arquitetura contemporânea, o faz com razão (o que nada mais é do que o óbvio ululante, afinal, “Olavo tem razão”). Quando grandes pensadores, como o saudoso Roger Scruton, dedicam um livro e um documentário inteiramente a questão da Beleza e do lugar que ela ocupa em nossas vidas é porque, ao contrário do que pregam os incautos, ela [a Beleza] é um valor universal ancorado na própria essência de ser humano.
Desse modo, na minha concepção, a revolta contra a arquitetura contemporânea é na realidade uma revolta contra algo muito maior: uma “questão geral” que reside na tentativa de reconstruir a sociedade roubando-lhe de tudo o que for indispensável à manutenção do nosso mundo livre; dentre elas – especialmente – a beleza.
Basta olhar ao seu redor e você irá se deparar com a ampla e irrestrita decadência moral e intelectual que nos é imposta diariamente… autoproclamados “gêneros musicais” (tão legítimos quanto as agências de fact-checking e a eleição de Biden) “não versam” (trocadilho intencional) sobre nada além da corrupção do corpo e da banalização das relações – sejam estas de qual caráter for.
E é nesse caldeirão cultural revolucionário que entra a estética, mais um espécime deste vasto “Jardim das Aflições” que se tornou a civilização ocidental. Enquanto buscam romper a qualquer custo os elos entre o quotidiano e o eterno, o mundano e o erudito. Os “revolucionários” precisam suprimir todo e qualquer valor que incuta na Humanidade a manutenção de sua humanidade (condição de ser-humano).
Assim, transformam o belo em algo de devemos repudiar (por ser “retrógrado”, por não ter “função social”, por eternizar um passado que “só fascistas são capazes de defender”) e o feio em algo admirável, digno de aplauso. No caso da arquitetura não é diferente. Aliás, ao contrário disso, o controle da estética arquitetônica é conditio sine qua non para moldar o comportamento humano roubando-nos de nosso propósito de modo que não se consegue “distinguir (alguns) porcos dos Homens”.
Nessa senda, quando arquitetos e engenheiros utilizam-se dessa concepção meramente utilitarista no projeto de uma obra arquitetônica de fato fico extremamente incomodada. Afinal, isso significa a derradeira facada em nossa cultura, o afastamento total de nossa identidade e a aplicação prática de ideias socialistas (mesmo que com lentes cor-de-rosa).
Todavia, por mais que TODOS os arquitetos atuais tenham seu olhar moldado pela arquitetura utilitarista (pois é o tipo de profissão que só se pode exercer passando por centros de formação involuntária de militância, aka Universidades), a beleza é algo tão diretamente ligado à humanidade (condição de ser humano, não Humanidade enquanto grupo) que, ainda que modificada, ela acaba resistindo.
Assim, mesmo que com linhas mais retas, menos detalhes e as vezes até mesmo priorizando a tecnologia e a serventia, a maioria arquitetos (criativos por essência) não conseguem fugir de sua natureza humana e acabam involuntária ou voluntariamente fazendo coisas belas.
Se por um lado temos uma Brasília de arquitetura primordialmente construtivista; um Palácio Presidencial com elementos de uma cultura forçada (que não representa nem de longe a real “brasilidade”), por outro temos projetos como o do Hotel Fairmont Rio (para quem, como eu, ainda não teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o estabelecimento, sugiro que assistam os vlogs dos Canais Carioca No Mundo e Layla Monteiro), que combinam o melhor do design nacional contemporâneo com classe e sofisticação.
Outro exemplo é a Ponte Octávio Frias de Oliveira, em São Paulo, que se tornou um símbolo da cidade-motriz de nossa Pátria.
No fim das contas, eu acredito que Deus é maior! A grande prova disso é que, como diz minha mãe, “Ele poderia ter feito as cores azul, verde, laranja etc e pronto… mas não, Ele fez um ‘montão’ de tons e nuances diferentes das mesmas cores”. E é por aí mesmo, Ele criou texturas diferentes, funcionalidades diferentes, possibilidades infinitas de combinações lindíssimas, que permitem até ao mais minimalista amante de design escandinavo construir para si lares aconchegantes e visualmente agradáveis.
Não nego que muitas vezes esse “approach” ultra-modernista – presente principalmente nas fachadas dos prédios – pode causar uma certa claustrofobia, mas basta dar um rolê pelo centro turístico de cidades como Chicago, IL, nos Estados Unidos, para ficar de queixo caído com a infinita beleza dos arranha-céus (só cuidado pra não baterem sua carteira, enquanto você ficar perambulando com cara de bobo. É sério, acontece).
Outra opção, bem mais condizente com nossa realidade atual (esse cativeiro forçado, chamado “fique em casa”), é dar uma navegada pelo Pinterest. Eu tenho pastas e mais pastas de decoração e de outros elementos estéticos, tais como embalagens diferentonas e bonitas. Lá você verá que nem tudo está perdido e que por mais que muitos arquitetos tenham sido doutrinados ao longa da Faculdade, Deus e a nossa humanidade nos impede de resistir aos belos revestimentos em madeira; à pilastra em cimento queimado; a cozinha em quartzo imitando mármore Carrara; os azulejos portugueses ou o papel de parede estampado no lavabo; quadros por toda parte; eletrodomésticos combinando; tapetes com belos desenhos geométricos; os metais coloridos (preto, bronze, cobre, rosê… com acabamento fosco ou brilhante)… a lista é infinita e aqui estou eu divagando novamente.
A realidade é que enquanto não “ocuparmos os espaços”, dificilmente conseguiremos transformar o que é coletivo. Mas parte da reação começa dentro de casa, fazendo de tudo para que sua casa ou apartamento tenham em cada um de seus ambientes um local agradável ao corpo, à mente, ao espírito e aos olhos. Afinal, a beleza importa.
E não é necessário gastar rios de dinheiro pra isso, mas sim priorizar seus recursos investindo no seu bem-estar e no de sua família. Pode ser uma decoração simples, mas ela precisa ser agradável aos seus olhos; precisa ser aquele lugar para onde até o espírito mais aventureiro e “viajador” deseje voltar.
Eu acredito, de todo coração, que Deus se comunica conosco através dos sentimentos e quanto mais belos eles forem mais agradável será essa interação. Então, abracemos a modernidade, mas tomemos para nós a responsabilidade de fazer do mundo um lugar mais belo… seja um belo rococó, art decô, colonial ou ultra moderno e geométrico. A beleza está também nos olhos de quem vê e cabe ao dono do imóvel (ou o inquilino até certo ponto) decidir como adequar o imóvel ao seu gosto, mesmo que isso implique em mudanças.
Por isso, lembrem-se, cubos, esferas, retângulos suspensos, prédios em formato de ondas (eu acho o Copam POR FORA bonitão) podem ser bonitos ou feios, dependendo somente de nós a restauração e a manutenção da Beleza como um dos fundamentos da Arquitetura. O cliente tem sempre razão!
Esse artigo foi escrito pela Julia Botelho que gentilmente aceitou o nosso desafio de escrever sobre a arquitetura moderna. Conheça mais sobre o trabalho dela como cantora internacional em http://juliabotelho.com.
Hey, olavete!
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